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MPPI vê indícios de calçamento “no papel” e manda investigação sobre obra em Esperantina para MPF

Ministério Público Federal PI

O Ministério Público do Estado do Piauí decidiu encerrar, por falta de atribuição, a investigação sobre possível inexecução de um contrato de pavimentação em Esperantina, mas deixou claro que vê indícios de prejuízo ao dinheiro público e encaminhou o caso para que seja analisado pelo Ministério Público Federal. O Inquérito Civil nº 22/2024 foi aberto após denúncia anônima à Ouvidoria do MP relatando que o contrato nº 090/2022, firmado entre o Instituto de Desenvolvimento do Piauí (Idepi) e a empresa B.S. Construções e Serviços Eireli para pavimentar ruas em paralelepípedo na zona urbana do município, constava como encerrado nos registros oficiais, com valores pagos e obra “executada”, enquanto, na prática, várias vias continuavam sem o calçamento prometido.

O denunciante apontou um contraste concreto: no site do Tribunal de Contas do Estado, o contrato aparecia como finalizado; no sistema federal Transferegov (antigo Siconv), ligado ao convênio 902401/2020, a obra constava como concluída e paga; mas, andando pelas ruas Euclides Ferreira Fenelon, Quadra 15/12, Cristino F. Melo e José de Ribamar Ramos, todas no bairro Novo Milênio, o que se via era outra realidade. Diante disso, a Promotoria de Justiça de Esperantina pediu informações ao Idepi e à Secretaria de Infraestrutura do Estado (Seinfra-PI), exigindo documentos da licitação, do contrato e relatórios que comprovassem a execução dos serviços. Também requisitou uma vistoria técnica às ruas citadas. Mesmo assim, os primeiros ofícios enviados em 2024 ficaram sem resposta.

Sem retorno dos órgãos estaduais, o promotor Sinobilino Pinheiro da Silva Júnior reforçou as diligências. Mandou reiterar os ofícios ao Idepi e à Seinfra, pediu à assessoria jurídica da 2ª Promotoria que verificasse no site do TCE a situação da execução do contrato e determinou que o oficial de diligências do próprio Ministério Público fosse às ruas citadas para conferir, em campo, o que havia de fato sido feito. O relatório de vistoria da 2ª Promotoria foi taxativo: na Rua Euclides Ferreira Fenelon, apenas parte da via tinha recebido algum tipo de intervenção, com um trecho em asfalto, enquanto o restante continuava sem meio-fio ou paralelepípedo, em piçarra. Já na Quadra 15/12, na Rua Cristino F. Melo e na José de Ribamar Ramos, não foram encontrados meio-fio, paralelepípedo ou qualquer sinal de início ou conclusão de obras de pavimentação. Na prática, o cenário descrito pela Promotoria confirmava a queixa do denunciante: oficialmente, a obra aparecia como concluída; nas ruas, o calçamento não chegou.

Paralelamente, o Idepi encaminhou ao inquérito um relatório de inspeção datado de 27 de março de 2025, mencionando vistoria para “averiguar a obra de pavimentação em paralelepípedo” e apontando que a Codevasf, responsável pelo acompanhamento técnico do convênio, havia exigido correções que teriam sido executadas pela própria B.S. Construtora, como substituição de pedras, refazimento de sarjetas e pintura de meios-fios. Em audiência extrajudicial realizada em 10 de setembro de 2025, o sócio-gerente da empresa, João Henrique, confirmou que o contrato foi firmado por meio de convênio federal, com recursos repassados pelo antigo Ministério do Desenvolvimento Regional via Codevasf, reforçando que “a origem do recurso é federal”.

Foi justamente esse ponto – a origem e a fiscalização do dinheiro – que mudou o rumo do caso. Ao analisar o conjunto das informações, o promotor concluiu que a investigação não tratava apenas de um possível dano ao erário estadual, mas, principalmente, de um possível prejuízo ao dinheiro da União, administrado e cobrado por um órgão federal (Codevasf), com prestação de contas ao Tribunal de Contas da União. Na prática, se houver desvio, superfaturamento ou pagamento por obra não executada, o patrimônio atingido é, em grande parte, federal. Por isso, a Promotoria entendeu que a competência para seguir com o inquérito e, eventualmente, ajuizar ação por improbidade ou por ressarcimento, é do Ministério Público Federal, e não do Ministério Público do Estado.

Na decisão, o promotor cita a Constituição Federal, que dá à Justiça Federal competência para julgar casos em que a União e suas empresas públicas têm interesse direto, e lembra que a Codevasf, além de repassar o recurso, acompanha e fiscaliza a obra. Menciona também o entendimento consolidado dos tribunais superiores de que, quando há suspeita de desvio de verbas sujeitas a prestação de contas perante órgão federal, o caso deve ir para a esfera federal. Diante disso, o Ministério Público do Piauí decidiu promover o arquivamento do inquérito apenas por falta de atribuição, deixando expresso que não se trata de dizer que não houve irregularidade, mas de reconhecer que cabe a outro ramo do Ministério Público aprofundar a investigação.

Na mesma decisão, o promotor determinou que os autos sejam enviados ao Conselho Superior do Ministério Público do Piauí para revisar o declínio de atribuição e, em seguida, remetidos ao Ministério Público Federal, que é quem tem a missão de apurar se houve, de fato, lesão ao erário federal no convênio de pavimentação em Esperantina. Também mandou comunicar oficialmente a decisão ao Idepi, à B.S. Construções e Serviços Eireli, à Seinfra e à Secretaria de Infraestrutura de Esperantina, além de publicar o despacho no Diário Oficial Eletrônico do MPPI, para que a sociedade acompanhe os próximos passos. Com isso, a apuração sobre o calçamento que apareceu como “executado” no sistema federal, mas não chegou por completo às ruas do bairro Novo Milênio, sai da esfera estadual e passa a ser um caso a ser cobrado diretamente da Justiça Federal e do Ministério Público Federal.

Fonte: Opinião e Notícia

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